Em um discurso que reacendeu debates sobre as eleições estaduais de 2022, o ex-prefeito de Salvador e vice-presidente nacional do União Brasil, ACM Neto, revelou que lutou “até o último minuto” para ter José Ronaldo, atual prefeito de Feira de Santana, como seu vice na disputa pelo governo da Bahia. A declaração foi feita na noite de quinta-feira (8), durante uma sessão solene na Câmara de Vereadores de Feira, onde Neto recebeu o título de cidadão feirense e a Comenda Maria Quitéria. “José Ronaldo era o vice que eu desejava ter, o nome natural para a chapa, mas a conjuntura política de articulação com os partidos impediu que isso acontecesse”, afirmou, em tom conciliador, buscando esclarecer um dos episódios mais controversos de sua campanha, derrotada por Jerônimo Rodrigues (PT) no segundo turno.
A fala de Neto, marcada pela habilidade característica do carlismo, responde a críticas persistentes de aliados e eleitores de Ronaldo, que consideraram sua exclusão da chapa uma traição. A escolha da empresária Ana Coelho (Republicanos) como vice, anunciada em agosto de 2022, gerou desconforto em Feira, segunda maior cidade da Bahia, e foi apontada por analistas como um fator que enfraqueceu Neto no interior. Três anos depois, com Ronaldo de volta à prefeitura e Neto mirando 2026, a declaração parece um esforço para reacender a aliança histórica e apaziguar tensões em um município crucial para as ambições do União Brasil.
O contexto de 2022: alianças e frustrações
A decisão de não incluir Ronaldo na chapa de 2022 foi um divisor de águas na relação entre os dois líderes, aliados de longa data no carlism, movimento político fundado por Antônio Carlos Magalhães, avô de Neto. Ronaldo, prefeito de Feira por quatro mandatos (2001-2008, 2013-2020 e desde 2024), era visto como um nome forte para atrair votos no interior, especialmente na região de Feira, com 400 mil eleitores. Sua trajetória como ex-deputado estadual, federal e vereador, além de sua gestão elogiada, tornava-o um candidato natural à vaga de vice, apoiado por partidos como PDT, PTB, PSC e Solidariedade.
No entanto, articulações nacionais do União Brasil com o Republicanos, ligado à Igreja Universal, levaram Neto a optar por Ana Coelho, uma empresária sem trajetória política, sob pressão do deputado Márcio Marinho, líder do partido na Bahia. A escolha, anunciada na véspera da convenção do União Brasil, causou indignação em Ronaldo, que deixou o evento minutos antes, após um princípio de discussão. “Zé Ronaldo foi tratado como descartável. Foi uma covardia”, afirmou um eleitor feirense à época.
Neto, na sessão de 2025, reconheceu o peso da decisão. “Não sou engenheiro de obra pronta nem padre de missa realizada. É fácil questionar agora, mas na época, não podia prever o resultado”, disse, defendendo que as alianças eram necessárias para ampliar a competitividade da chapa. A campanha, porém, não conseguiu superar Jerônimo, que venceu com 52,54% dos votos válidos no segundo turno, contra 47,46% de Neto, em uma eleição marcada pela polarização Lula-Bolsonaro e pela força do PT no interior.
A reação de Ronaldo e o impacto em Feira
A exclusão de Ronaldo da chapa gerou reações imediatas em 2022. O ex-prefeito, então coordenador da campanha de Neto, expressou publicamente sua decepção. “Fiquei muito chateado. Fui para casa, conversei com minha esposa, filhas e genro. Não estava bem”, revelou à imprensa na CDL de Feira, dias após o anúncio de Ana Coelho. Apesar da mágoa, Ronaldo aceitou o convite de Neto para coordenar a campanha, uma decisão que dividiu opiniões. “Zé Ronaldo mostrou hombridade, mas foi humilhante. Ele merecia mais respeito”.
A escolha de Ana Coelho foi vista como uma tentativa de Neto de “elitizar” a chapa, priorizando alianças com a Igreja Universal e evitando um vice com peso político próprio. Em Feira, a decisão custou votos: embora Ronaldo tenha mobilizado sua base, a região não entregou a margem esperada, e Neto perdeu terreno para Jerônimo, que capitalizou a insatisfação local. “ACM Neto desmereceu Feira de Santana ao descartar Ronaldo”, declarou Jerônimo em novembro de 2022, reforçando a narrativa de traição.
Apesar das críticas, Ronaldo demonstrou lealdade ao grupo. Em 2024, com o apoio de Neto e do prefeito de Salvador, Bruno Reis, ele venceu a eleição municipal contra Zé Neto (PT), conquistando 50,32% dos votos. Durante a campanha, Ronaldo minimizou atritos, destacando o apoio de Neto como “uma honra” e reforçando sua história no União Brasil.
Neto e o olhar para 2026
A declaração de Neto em 2025 ocorre em um momento estratégico. Sem mandato desde 2020, o ex-prefeito trabalha nos bastidores para viabilizar uma candidatura em 2026, seja ao governo, ao Senado ou como vice em uma chapa presidencial de centro-direita, liderada por nomes como Ronaldo Caiado. Pesquisas recentes, como a Genial/Quaest de fevereiro de 2025, mostram Neto com 42% das intenções de voto para governador, contra 38% de Jerônimo, dentro da margem de erro.
A reaproximação com Ronaldo é crucial para fortalecer o União Brasil em Feira, um polo eleitoral decisivo. Durante a sessão, Neto elogiou a gestão de Ronaldo e destacou a “amizade de muitos anos”. “Zé Ronaldo é um líder que representa Feira e a Bahia. Sempre estivemos juntos”, afirmou, segundo o Bahia Notícias. A fala foi interpretada como uma tentativa de apaziguar aliados de Ronaldo, que ainda guardam ressentimentos de 2022, e de consolidar a base para o próximo pleito.
Analistas políticos veem a declaração como um aceno estratégico. “Neto sabe que Feira é essencial para 2026. Reconhecer o erro de 2022 é uma forma de reconstruir pontes com Ronaldo e seus eleitores”, avalia o cientista político Paulo Lima, da Universidade Federal da Bahia. A presença de Neto na homenagem à Família Magalhães, ao lado de Ronaldo, reforçou a imagem de unidade, mas não apagou as cicatrizes de 2022, especialmente entre eleitores que migraram para João Roma (PL) ou Jerônimo na eleição passada.
Um passado que molda o futuro
A relação entre Neto e Ronaldo, forjada no carlismo, é marcada por lealdade, mas também por momentos de tensão. Em 2018, Ronaldo renunciou à prefeitura de Feira para disputar o governo, após Neto desistir da candidatura, uma decisão que aliados de Ronaldo consideraram um “sacrifício” imposto pelo grupo. Em 2022, a exclusão da chapa repetiu a percepção de que Ronaldo foi preterido em prol de interesses externos. “Neto calcula cada passo, mas subestimou o peso de Ronaldo em Feira”, escreveu o comentarista César Oliveira no Tribuna Feirense.
A sessão de 2025, no entanto, sugere um novo capítulo. Ao admitir publicamente seu esforço para incluir Ronaldo, Neto busca não apenas reparar danos, mas também posicionar o União Brasil como uma força coesa frente ao PT, que enfrenta desgaste após derrotas municipais em Salvador e Feira. “Neto é mestre na política. Ele sabe que Ronaldo é indispensável para 2026”, afirmou o vereador Carlos Alberto, presente no evento.
Enquanto Feira de Santana segue como epicentro das disputas políticas da Bahia, a relação entre Neto e Ronaldo permanece sob os holofotes. A declaração de 2025, embora tardia para alguns, é um passo para reacender a confiança mútua e pavimentar o caminho para o próximo embate eleitoral. “Política é construção diária. Zé Ronaldo e eu sempre soubemos disso”, concluiu Neto, deixando claro que a história entre os dois está longe de terminar.