Em uma agenda marcada por simbolismo histórico e ambições econômicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concluiu neste sábado uma visita oficial de dois dias à Rússia, onde propôs parcerias estratégicas para a pesquisa e exploração de minerais críticos, essenciais para a transição energética e setores como tecnologia e defesa. Durante encontros com o presidente Vladimir Putin e empresários russos, Lula defendeu a ampliação da cooperação em áreas como energia, ciência e inovação, visando posicionar o Brasil como líder na economia verde global. “Não podemos jogar fora nenhuma oportunidade. O Brasil tem um potencial mineral enorme, e a Rússia tem expertise para nos ajudar a explorá-lo”, declarou em coletiva de imprensa antes de embarcar para Pequim, segundo o Folha de S.Paulo.
A visita, que coincidiu com as celebrações dos 80 anos da vitória soviética na Segunda Guerra Mundial, também serviu para abordar o déficit comercial de US$ 11 bilhões na balança bilateral, dominada por importações brasileiras de fertilizantes e diesel. Com acordos assinados em ciência e tecnologia, e a promessa de equilibrar o comércio, Lula reforçou a importância da Rússia como parceira estratégica, em um momento de tensões geopolíticas globais e sanções ocidentais contra Moscou. A agenda, que incluiu a participação da primeira-dama Janja Lula da Silva em iniciativas culturais e sociais, sinaliza um esforço do Brasil para diversificar suas alianças internacionais enquanto avança em projetos de desenvolvimento sustentável.
Minerais críticos: uma aposta no futuro
O foco de Lula na exploração de minerais como lítio, cobalto, níquel, grafite e terras raras reflete a crescente demanda global por matérias-primas para baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas e tecnologias de defesa. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), apenas 30% do território brasileiro foi mapeado geologicamente, e o país possui reservas significativas de lítio no Vale do Jequitinhonha (MG) e de terras raras no Amazonas e em Goiás. “O Brasil pode ser um protagonista na transição energética, mas precisamos de parcerias para acelerar a pesquisa e a extração sustentável”, afirmou Lula, conforme o O Globo.
A Rússia, um dos líderes mundiais na extração de níquel e terras raras, emerge como parceira estratégica. O MME já iniciou contatos com empresas russas, como a Norilsk Nickel, para discutir joint ventures e transferência de tecnologia. Lula destacou a expertise russa em pequenos reatores nucleares modulares, uma solução para garantir energia estável em regiões remotas do Brasil. “A energia nuclear e renovável tem volatilidade. Para sermos a quinta economia do mundo, precisamos de energia garantida”, disse, enfatizando a integração de 98% do sistema elétrico brasileiro, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Analistas veem a proposta com otimismo, mas alertam para desafios. “A parceria com a Rússia pode acelerar o mapeamento mineral, mas o Brasil precisa de marcos regulatórios claros para evitar impactos ambientais e conflitos com comunidades indígenas”, avalia Marina Costa, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). A mineração sustentável será um teste para o compromisso de Lula com a agenda ESG (ambiental, social e de governança), especialmente após críticas a projetos como a exploração de potássio na Amazônia.
Equilibrando a balança comercial
A visita de Lula a Moscou, iniciada na quinta-feira (8), ocorreu no contexto do feriado mais importante da Rússia, o Dia da Vitória, que marcou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial. O presidente participou de um desfile cívico-militar na Praça Vermelha e de uma reunião bilateral com Putin, onde discutiu o desequilíbrio comercial entre os dois países. Em 2024, o comércio Brasil-Rússia atingiu US$ 12 bilhões, com um déficit de US$ 11 bilhões para o Brasil, segundo o MDIC. O país importa fertilizantes (35% do consumo nacional) e diesel da Rússia, enquanto exporta soja, carne bovina, café e tabaco.
Para reverter o déficit, Lula propôs diversificar as exportações brasileiras, incluindo produtos de maior valor agregado, como aviões da Embraer e tecnologias agrícolas. Dois acordos foram assinados: um para cooperação em ciência, tecnologia e inovação, com foco em inteligência artificial e biotecnologia, e outro para pesquisa científica aplicada, envolvendo instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a Academia Russa de Ciências. “Queremos um comércio mais equilibrado, com benefícios mútuos”, declarou Lula, conforme o Estado de S.Paulo.
A relação comercial, no entanto, enfrenta obstáculos. Sanções ocidentais contra a Rússia, impostas desde a invasão da Ucrânia em 2022, limitam o acesso de empresas russas a mercados globais, o que pode complicar investimentos no Brasil. Além disso, a dependência de fertilizantes russos expõe o Brasil a volatilidades geopolíticas, como alertou o economista Paulo Gala, da FGV: “A parceria é estratégica, mas o Brasil precisa diversificar fornecedores para garantir segurança.”
Dimensão cultural e social
A comitiva brasileira, liderada por Lula, incluiu a primeira-dama Janja Lula da Silva, que chegou à Rússia dias antes para promover a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa do G20 lançada pelo Brasil em 2024. Janja visitou a Universidade Estatal de São Petersburgo, onde articulou parcerias em educação e cultura, incluindo intercâmbios acadêmicos. Em um momento de celebração pessoal, Lula anunciou que será agraciado com o título de doutor honoris causa pela instituição, que formou figuras como Vladimir Lenin e o próprio Putin. “É uma honra receber esse reconhecimento de uma universidade tão prestigiada”, disse, segundo a CNN Brasil.
A agenda cultural reforça a diplomacia suave do Brasil, que busca fortalecer laços com a Rússia em meio a um cenário global polarizado. A presença de Janja, que também participou de eventos sobre igualdade de gênero, foi elogiada por diplomatas russos, segundo o Brasil 247. “A cooperação cultural é tão importante quanto a econômica. Estamos construindo pontes”, afirmou a primeira-dama.
Uma agenda global intensa
Após Moscou, Lula embarcou para Pequim, onde participará da cúpula China-Celac (12-13 de maio) e de uma visita de Estado, com a assinatura de 16 acordos bilaterais em áreas como agricultura, tecnologia e infraestrutura. A comitiva inclui o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, que busca investimentos para projetos como a Ponte Salvador-Itaparica e a fábrica da BYD. Questionado sobre a missa de posse do papa Leão XIV, em 18 de maio, Lula confirmou que será representado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, devido à preparação para uma visita à França em junho, onde participará da Conferência dos Oceanos da ONU, em Nice.
A maratona internacional de Lula reflete sua estratégia de reposicionar o Brasil como protagonista global. “O mundo está mudando, e o Brasil precisa estar no centro das decisões”, declarou, conforme o G1. No entanto, a oposição, liderada por deputados do PL, critica o custo das viagens: “Lula deveria focar na inflação e na crise interna, não em agendas de autopromoção”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro, em post no X.
Um Brasil no centro do tabuleiro global
A visita de Lula à Rússia, marcada por propostas ambiciosas e gestos diplomáticos, é um passo para diversificar as parcerias do Brasil em um mundo multipolar. A cooperação em minerais críticos e energia pode transformar o país em um hub de inovação, mas exigirá equilíbrio entre interesses econômicos, sustentabilidade e estabilidade geopolítica. “Lula está jogando xadrez global. A Rússia é uma peça importante, mas o Brasil precisa de um plano robusto para não depender de um único parceiro”, avalia o analista internacional Carlos Almeida, da PUC-Rio.
Enquanto o presidente segue para a China, a expectativa no Brasil é por resultados concretos que se traduzam em empregos, tecnologia e desenvolvimento. A parceria com a Rússia, forjada em meio a desfiles e reuniões de cúpula, é um teste para a visão de Lula de um país que não apenas sonha grande, mas constrói o futuro com energia, recursos e diplomacia.