STF revoga proibição de celulares no julgamento do “núcleo 4” após críticas e pressão da OAB

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, nesta terça-feira, o uso de celulares e notebooks durante o julgamento da denúncia contra o “núcleo 4” da suposta trama golpista de 2022, acusado de disseminar desinformação para desestabilizar o sistema eleitoral brasileiro. A decisão, liderada pelo presidente da turma, ministro Cristiano Zanin, reverte a polêmica medida adotada em 22 de abril, quando os aparelhos de advogados, jornalistas e assessores foram lacrados em sacos plásticos durante o julgamento do “núcleo 2”. A liberação ocorre após duras críticas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de entidades como a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), que classificaram a restrição como uma violação de prerrogativas profissionais e um entrave ao exercício da advocacia.

O julgamento do “núcleo 4”, que analisa a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra sete acusados de propagar notícias falsas sobre urnas eletrônicas e atacar autoridades públicas, marcou um momento de inflexão no STF. A Corte, que já aceitou denúncias contra 21 réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, busca equilibrar a segurança dos processos com a transparência exigida em sessões públicas. A sessão, transmitida ao vivo pela TV Justiça, foi marcada por um clima descontraído entre os ministros, com piadas e a rejeição unânime de questões preliminares levantadas pelas defesas, pavimentando o caminho para transformar os acusados em réus.

Contexto da polêmica

A proibição de celulares, implementada no julgamento do “núcleo 2” em abril, foi motivada por incidentes anteriores. Durante a análise do “núcleo 1”, em 26 de março, que tornou Bolsonaro e sete aliados réus, diversas pessoas, incluindo advogados e jornalistas, descumpriram a regra do STF que veta filmagens e fotografias nas sessões. Um episódio marcante envolveu o ex-desembargador Sebastião Coelho, que, sem credenciamento, tentou acessar o plenário, discutiu com a segurança e publicou um vídeo do incidente nas redes sociais, gerando tumulto. Além disso, o ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins, teve imagens capturadas, contrariando uma ordem expressa do relator, ministro Alexandre de Moraes.

Diante disso, a Primeira Turma, composta por Moraes, Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux, optou por uma medida drástica: todos os presentes no julgamento do “núcleo 2” foram obrigados a lacrar seus aparelhos em sacos plásticos, mantendo-os em posse dos donos, mas inutilizáveis durante a sessão. A decisão, descrita por Zanin como “pontual” e consensual, visava proteger a “liturgia da Corte” e cumprir a proibição de uso de imagens de denunciados, mas foi recebida com indignação pela OAB e pelo Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).

O presidente da OAB, Beto Simonetti, classificou a medida como uma “violação às prerrogativas da advocacia”, argumentando que o uso de celulares para gravações de áudio e vídeo em sessões públicas é um direito garantido pelo Estatuto da Advocacia e não pode ser restringido sem fundamento legal claro. Em nota, Simonetti afirmou que a restrição, aplicada sem individualizar responsabilidades por infrações, comprometia o livre exercício profissional. A OAB chegou a recomendar que advogados boicotassem o julgamento do “núcleo 4” caso o lacre fosse mantido, enquanto a AASP e o MDA reforçaram que a medida era desproporcional, especialmente em um julgamento transmitido ao vivo.

Diálogo e mudança de rumos

A pressão das entidades surtiu efeito. Após reuniões entre Simonetti e Zanin, o STF reconsiderou a restrição. Na sessão de 6 de maio, Zanin anunciou a liberação dos aparelhos, mantendo a proibição de filmagens e fotografias, conforme o regimento interno da Corte. “A restrição foi uma medida excepcional, adotada para garantir o bom andamento do julgamento anterior. Não será aplicada hoje”, declarou o ministro, segundo relatos da imprensa. A OAB celebrou a decisão, parabenizando Zanin por “retirar a exigência do lacre” e reafirmando seu compromisso com a defesa das prerrogativas profissionais.

A liberação dos celulares trouxe alívio aos advogados, que consideram os dispositivos ferramentas essenciais para consultar documentos, comunicar-se com clientes e registrar anotações durante sessões. Jornalistas também se beneficiaram, podendo acompanhar o julgamento com maior agilidade. “Foi um retrocesso corrigido. A advocacia precisa de liberdade para atuar, e o STF reconheceu isso”, afirmou a advogada Mariana Costa, de 38 anos, que acompanhou a sessão no plenário.

O julgamento do “núcleo 4”

O julgamento do “núcleo 4” focou em sete acusados, incluindo ex-militares e um civil, que, segundo a PGR, articularam uma campanha coordenada de desinformação para desacreditar as urnas eletrônicas, atacar autoridades e pressionar as Forças Armadas a aderir a um plano para manter Bolsonaro no poder após a derrota eleitoral de 2022. A subprocuradora-geral Cláudia Sampaio Marques destacou que os denunciados “agiam com consciência” para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, integrando uma organização criminosa armada. “Não se pode relativizar o poder maléfico das redes sociais”, reforçou Moraes, ao votar pelo recebimento da denúncia.

As defesas, por sua vez, alegaram falta de provas, denúncias genéricas e ausência de individualização das condutas. Advogados como Leandro Coelho Avelar, que defendeu Guilherme Marques, argumentaram que as ações dos acusados eram expressões de opinião protegidas por lei, enquanto Juliana Rodrigues Malafaia, defensora de Giancarlo Gomes Rodrigues, pediu a rejeição da denúncia por “inépcia”. Apesar das contestações, a Primeira Turma aceitou a denúncia por unanimidade, elevando para 21 o número de réus no inquérito do golpe.

Um precedente para o futuro

A decisão de liberar os celulares no julgamento do “núcleo 4” não apenas resolveu a polêmica imediata, mas também sinalizou um ajuste na postura do STF em relação à transparência e ao acesso em sessões públicas. A OAB expressou preocupação com a possibilidade de o lacre se tornar prática padrão, o que, segundo Simonetti, comprometeria a essência democrática dos julgamentos. A reversão da medida, após diálogo com a entidade, foi vista como um passo para equilibrar a segurança processual com os direitos de advogados e jornalistas.

Enquanto a Primeira Turma avança na análise das denúncias da trama golpista – com o “núcleo 3” agendado para 20 de maio e um quinto julgamento sem data definida –, a liberação dos celulares reforça a importância do diálogo entre o STF e a sociedade civil. “O Supremo mostrou que sabe ouvir e corrigir rumos quando necessário. Isso fortalece a democracia”, avaliou o advogado Rafael Lima, de 45 anos, presente na sessão. Com a fumaça da polêmica dissipada, a Corte segue sob os holofotes, julgando um dos capítulos mais críticos da recente história política brasileira.

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